quarta-feira, 27 de abril de 2011

Metaformose/Homem Piano/Oxigênio - Nelson de Sá

Houve um tempo em que a classe teatral de Curitiba se mobilizava contra o privilégio às peças de São Paulo e Rio no festival. Aos 20, não é mais assim, pelo contrário. O teatro paranaense tomou seu espaço na programação. Companhias que deixaram a cidade e o Estado tomaram São Paulo e Rio.
E o festival, hoje majoritariamente uma mostra paranaense, ainda que sem perder a diversidade nacional que o caracteriza desde o princípio, deve sua regularidade elevada de qualidade ao sem-número de produções locais.
Mal desci do avião e fui assistir a uma, duas, três peças de companhias paranaenses, com Café do Teatro no intervalo. Talvez pela data redonda do aniversário, o espírito é outro por toda parte. Curitiba confirma sua decadência urbana, com traços que remetem até à Cracolândia, mas a arte persiste e brota.
Quando a produção não é das maiores, caso de "Metaformose", adaptada com alguns exageros e dirigida por Edson Bueno da novela/poema de Paulo Leminski, a interpretação carrega. Foi uma boa maneira de começar, na fantasia do curitibano Leminski.
Cenário, figurinos e vídeos são de doer, falhas técnicas foram a regra do começo ao fim, mas o elenco está afinado e não se perde. O texto por vezes se excede no didatismo ou no burlesco, mas nada que dure muito. Dosa humor e, quando pesa no drama, só faz bem.
Alguns dos atores já estão prontos, e todos os cinco se saem dignamente. (Para registro, a plateia contava não menos do que quatro observadores da Globo. Não chega a ser novidade no festival, mas indica como o teatro paranaense avançou sobre a indústria cultural de São Paulo e sobretudo Rio.)
Zé Celso, que participou da primeira edição com "As Boas", em que fui assistente, dizia que Curitiba é a cidade brasileira mais moralista -acho que o adjetivo era reacionária. Esteticamente, não é mais assim. Escrita e dirigida por Sueli Araújo, "Homem Piano" é prova.
Com um único performer, Luiz Bertazzo, envolve seu público limitado desde antes da entrada, na pequena rua de paralelepípedos. Antes fala, conversa, do que representa. Pergunta de pais e mães, pede uma memória que se queira esquecer, a ser escrita como um bilhete -que em seguida tritura num velho liquidificador.
Sobe as escadas da sede da companhia e se apresenta, não como um ator com uma história, mas alguém para escutar a memória de cada um, que pode ou não contá-la a um microfone no final, tendo ele como único ouvinte. Pelos três andares brancos e quase vazios, uns poucos estímulos à lembrança -sobretudo na voz do ator.
É emocionante, um exercício não sobre o público, mas sobre cada mente no público. Nada violento, pelo contrário; um passo que cada um se permite, se quiser. É uma instalação ou performance, mais do que teatro.
Como dramaturgia, "Oxigênio" foi o mais enriquecedor. Apresenta um autor russo, Ivan Viripaev, que até onde sei jamais foi montado no Brasil. A exemplo de Aleksandr Gálin, de "Casting", montada em São Paulo, retrata uma Rússia muito diversa daquela de Tchecov ou Bulgákov -ou mesmo Dostoiévski e seus niilistas, referenciado no texto.
É corrosivo, cético consigo mesmo. Pelo que li, foi uma das descobertas de Declan Donnelan, o célebre diretor de "As You Like It" e "Angels in America", no mergulho que fez na Rússia na última década. Descortina um teatro russo que ameaça, aos poucos, voltar à grandeza, junto com a própria nação.
A encenação de Márcio Abreu, aparentemente, vislumbra essa esperança no texto e a expõe no cenário, dos mais expressivos que vi -a vida, na forma de jardim, toma o lugar do piso negro do palco.
E a escolha de um guitarrista para dialogar em música com a emoção dos intérpretes tem instantes de beleza chocante. São apenas duas das muitas impressões que o espetáculo deixa, com palavras, "mise en scène" e os atores Patrícia Kamis e Rodrigo Bolzan.
PS - Christiane Riera já escreveu de "Oxigênio", aqui.
Escrito por Nelson de Sá às 23h54
04/04/2011

http://cacilda.folha.blog.uol.com.br/arch2011-04-01_2011-04-30.html

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