O branco é associado à paz. O branco dá medo. É a cor dominante no espaço da CiaSenhas de Teatro, no centro velho de Curitiba, onde o taxista não quis me deixar porque “lá não tem teatro, lá só tem boca de fumo”, parando três quadras antes, irredutível. Não é desse medo hostil da defensiva, mais pavoroso do que os possíveis agentes, de que trata Homem piano – uma instalação para a memória, com duas sessões diárias programadas no Fringe até sábado. O roteiro tem a ver com esvaziar o HD pessoal das culpas que não são esquecidas, remoendo a impossibilidade do branco, o medo de preencher e ser preenchido. O eu e o ele de Luiz Bertazzo guiam os visitantes nesses entremeios. Desde a rua de paralelepípedos, a São Francisco, o performer fala ao microfone trechos da composição Lenda do pégaso, de Jorge Mautner, sobre o passarinho feio que virou cavalo alado na mitologia grega. “Pegue as mágoas e apague-as”, diz um verso.
Uma vez lá dentro, o visitante lida com dispositivos como a folha em branco e uma apropriação cênica da arquitetura do prédio que propõe trajetória de sensações táteis e acústicas. Esses elementos típicos da instalação soam secundários comparados ao ímã do texto de Sueli Araujo, a diretora. A narrativa é matricial em sua geração de imagens e na maneira como Bertazzo rastreia o visitante pelos olhos – um ator multipolar cada vez mais seguro. São esse olhar magnetizante e esse contador, bom de prosa, aberto ao improviso e com timming coeso no ato de não-representar, os corresponsáveis pelo público acessar afetividades, alguns em comoção, a partir do relato familiar e do conflito redivivo expostos de modo particular.
Naquele beco com saída, miolo da cidade, a CiaSenhas busca realizar um trabalho de acolhimento do público, de aproximação. O homem piano desterritorializa o dentro e o fora, abre a janela e lança indagações existenciais noturnas aos passantes. Coloca os visitantes diante da vidraça que mostra as salas do estabelecimento de ensino em frente. Será que a disciplina está lá e o caos, aqui?
Ao raciocinar sobre o sentir, a instalação responde mais ao mobilizador jogo de ideias coladas ao imaginário do coração, seu resíduo paradoxalmente dramático, do que expande o plano corporal nas relações de tempo e espaço com os visitantes. A recorrência com que o performer sinaliza para que todos fiquem “à vontade” é um indício.
A troca se efetiva em parte do público que, ao final, se prontifica a registrar suas lembranças para o “viajante” encarregado da expedição.
Jornalista hospedado a convite da organização do Festival de Teatro
08/04/2011
http://teatrojornal.com.br/blog/2011/04/curitiba-homem-piano-uma-instalacao-para-a-memoria/
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